Os meninos da Rua Paulo - Nova Fronteira

Estamos no final do século XIX, mas a época poderia ser qualquer uma. A cidade é Budapeste, mas o território é universal: trata-se da infância. E como tudo relativo à infância, o que está em jogo é absoluto — vai definir a vida dos personagens. Um grupo de meninos, que “de adultos ainda não tinham medo”, está disposto a lutar até as últimas consequências em defesa daquilo que — para eles — é o mundo inteiro: o grund, um pequeno terreno baldio no meio da cidade, que “para suas almas de meninos representava o infinito, a liberdade, que, no período da manhã, era as planícies americanas e, de noite, a Transilvânia, quando chovia, era o mar e, no inverno, o Polo Norte”.

Esses meninos não têm como saber (mas nós sim) o que os aguarda depois que o livro acaba: duas Guerras Mundiais, a queda do Império Austro-Húngaro, a Guerra Fria... enfim, um século marcado por conflitos, rupturas, tragédias. É nessa batalha, para impedir que o grund seja tomado por um grupo rival, que tudo está em jogo para eles. É ali que se desenrola o ritual fundador de suas vidas, a mãe de todas as lutas: a despedida da infância. “Boka permaneceu no meio do grund sozinho. (...) Se sentia, não como se estivesse no meio de uma grande cidade, mas, sim, em algum lugar longe, em terra estrangeira, em campo aberto, no qual, no dia seguinte, uma batalha iria decidir o destino da nação.”

Sempre penso na infância como uma sequência interminável de regras, muitas vezes injustas, quase sempre arbitrárias, um jogo que nem sempre entendemos e que somos obrigados a jogar. Mas isso só acontece na relação com o mundo adulto. Aqui, entre meninos apenas, sejam amigos ou rivais, as regras são constantemente definidas e redefinidas por eles. Na briga pelo grund, até os vilões têm grandeza. A infância pode acabar um dia, mas o grund e sua beleza permanecem conosco para sempre.

Sandra Kogut
Cineasta, é roteirista e diretora de diversos filmes e documentários premiados, entre eles, Um passaporte húngaro, em que narra sua saga para obter a cidadania do país de origem de sua família